sexta-feira, 12 de maio de 2017

A MÃE DE MALCOLM X ERA ADVENTISTA:
Uma reflexão sobre Adventismo, Racismo e Evangelismo
Por
Evandro L. Cunha (Ph.D)

Hiperativo, mulherengo, cafetão, traficante de drogas, viciado em cigarros e bebidas, violento, trapaceiro, ladrão... a lista é grande, mas pequena para descrever a vida de Malcolm X (1925-1965) antes de se converter ao Islamismo e se tornar, ao lado de Martin Luther King Jr., um dos maiores ativistas afro americano e uma das figuras mais polêmicas na luta pelos direitos dos negros.
Ao contrário de King, Malcolm acreditava que os fins justificavam os meios na luta desproporcional entre o poderio dominante dos brancos contra os negros. Sua adesão ao movimento radical negro islâmico chamado Nação Islâmica, e sua frustração com o modus operandi deste grupo e principalmente do seu líder, levou Malcolm a adotar métodos e ideias próprias que provocariam mais tarde sua morte cruel. Morreu diante da mulher e filhos enquanto fazia uma palestra.
Lendo a autobiografia  do famoso militante afro americano Malcolm X, encontrei uma referência muito carinhosa aos adventistas. Eis o texto:
“Mais ou menos nessa ocasião, minha mãe começou a ser visitada por alguns Adventistas do Sétimo Dia, que haviam mudado para uma casa não muito longe da nossa. Conversavam com ela por horas a fio, deixavam folhetos e revistas para que minha mãe lesse. Ela lia, assim como Wilfred, que voltara à escola, depois que passamos a receber comida gratuitamente do programa de ajuda aos indigentes. A cabeça de Wilfred [irmão de Malcolm] estava sempre metida em algum livro.
“Não demorou muito para que minha mãe começasse a passar cada vez mais tempo com os Adventistas. Estou convencido que ela foi influenciada por eles terem restrições alimentares ainda mais rigorosas do que as suas, que sempre defendera e nos impuseram. Com nós, os Adventistas eram contra comer coelhos e porco; adotavam as leis alimentares mosaicas. Não comiam a carne de qualquer animal que não tivesse o casco fendido ou não ruminasse. Começamos a acompanhar nossa mãe às reuniões adventistas. Para nós, crianças, sei que a maior atração era a boa comida que serviam. Mas também ficávamos escutando. Havia um punhado de negros de pequenas cidades da região, mas acho que 99 por cento eram de brancos. Os adventistas achavam que estávamos vivendo ao [sic] final dos tempos, que o fim do mundo em breve chegaria. Mas eram os brancos mais amistosos que já tinha conhecido. Mas nós, crianças, percebíamos e discutíamos quando voltávamos para casa que eles eram diferentes de nós, em coisas como a falta de tempero suficiente na comida e no cheiro diferente dos brancos”. Páginas 28-29.
Falando da pressão que os assistentes sociais faziam sobre sua família, começaram a divulgar que sua mãe sofria de distúrbios mentais por recusar comer carne de porco oferecida por vizinhos.
“... Todos ouvimos quando chamaram mamãe de ‘louca’, por ter recusado uma boa carne. Não adiantou ela explicar que nunca havíamos comido carne de porco, que era contrário à sua religião, como adventista do sétimo dia”, p. 29.
O QUE PODEMOS APRENDER DESTA EXPERIÊNCIA?
1. O bom testemunho daquela família adventista impactou profundamente o jovem Malcolm.
2. Adventismo e racismo são coisas antagônicas. Felizmente Malcolm conheceu adventistas realmente cristãos. Infelizmente, mesmo entre alguns adventistas americanos existe uma separação entre negros e brancos. Em nome do politicamente correto, adotando uma antropologia que advoga em nome da cultura, preservar liturgias e lugares de cultos diferentes, etc. Este mal não está presente só entre nós. A Assembleia de Deus manteve durante anos um cisma cuja ferida só foi “curada” a pouco tempo atrás. Poderíamos mencionar ainda a Igreja dos Santos dos Últimos Dias, conhecida como os "mórmons", que durante anos manteve uma atitude racista, praticamente oficial. Sem falar dos teólogos cristãos que tentaram justificar teológica e filosoficamente a superioridade branca.
Eu mesmo já sofri na pele o racismo entre nós. Um amigo, contou-me anos depois do fato ocorrido, que pela primeira vez que fui apresentado numa igreja sede de distrito, uma senhora de uma família tradicional da igreja, disse: “O que é que esse negrinho está fazendo lá na frente? ”. Meu amigo disse que eu era o novo pastor. Depois do sermão, ela sussurrou no ouvido dele: “até que este pretinho fala bem”.
Por que será que levamos tantos anos para que os negros ocupassem posição de destaque na IASD no Brasil, um país de maioria negra? Hoje, graças a Deus, líderes negros ocupam distintos ministérios na igreja brasileira. Mas no passado não foi assim.
3. Nosso estilo de vida é outra Bíblia escrita numa língua muito mais inteligível. Malcolm fala da amizade, do interesse dos adventistas por sua família, da comida sem tempero forte, da abstenção da carne de porco; menciona até o cheiro dos adventistas.
4. A receptividade no dia de sábado. Malcolm faz referência a dinâmica do culto sabático, mas principalmente a boa comida feita pelos adventistas. A gastronomia pode ser um bom método para atrair pessoas.
5. Escatologia. Malcolm ficou impressionado com a ênfase que os adventistas davam ao fim do mundo (Volta de Jesus). Infelizmente, os temas escatológicos estão desaparecendo em algumas igrejas. É tanta novidade: novas músicas, novos programas, novos eventos, etc., que a Boa Nova da Volta de Jesus fica obscurecida.
6. Por fim, os atos de bondade desinteressados são muito mais eficazes para atrair pessoas do que nossos discursos formais.
TANTAS PERGUNTAS E POUCAS RESPOSTAS. O pai de Malcolm era batista e era um tipo de evangelista itinerante e ativista. Fanáticos do movimento dos KKK (ku klux klan) composto por cristãos fundamentalistas e racistas mataram seu pai, e sua mãe perdeu a guarda dos filhos. Malcolm era um juvenil. Quando adolescente conheceu os adventistas, mas seu temperamento irrequieto e as circunstâncias que fugiram de seu controle fez com que entrasse num mundo fascinante e perigoso dos prazeres, crimes e drogas. Foi preso e condenado a dez anos, era agora um jovem cheio de perguntas e poucas respostas.
Se os cristãos estavam divididos sobre o tema racial, algo tão elementar do ponto de vista lógico, o que dizer de temas mais profundos. Foi ali com a cabeça cheia de perguntas, que Malcolm conheceu as ideias da seita Nação Islâmica. Encontrou “respostas” que mudariam para sempre sua vida. Se tornou um autodidata. Sua paixão pelas palavras o transformaria em um dos oradores mais cativantes da história dos Estados Unidos.
O restante é História...

A história de Malcolm poderia ser diferente se ele tivesse continuado com sua mãe adventista? Não sabemos. Teria encontrado respostas para suas perguntas? Provavelmente sim. Pois os adventistas americanos tinham herdados dos milleritas a retórica e a apologética. Ellen White, que viveu anos antes de Malcolm, já advertira aos pastores para não se concentrarem demais em debates. Menciono este fato para demonstrar que os adventistas eram bons nisso, tanto quanto os apologistas islâmicos. Entretanto, por ironia da vida, o Malcolm que falou tão bem dos adventistas, quando mais questionou sobre o significado da vida, não teve nenhum adventista por perto. E não poderia ter mesmo, pois estava na prisão. Naquela época havia muitos muçulmanos que cometiam delitos e eram presos. Ali recebiam apoio para fazerem adeptos. Como a quantidade de negros nas prisões sempre foi muito grande, o campo era muito fértil para as ideias dos negros muçulmanos que mesclavam religião com ativismo político.
Finalizo agradecendo a Deus por essa família adventista, que não sabemos o nome, por ter iluminado a vida da mãe do Malcolm. Dou asas à imaginação e posso ver quantas pessoas famosas já tiveram suas vidas iluminadas com as verdades do Evangelho Eterno. Infelizmente, nem todas aproveitaram esta solene oportunidade.
Fonte: Autobiografia de Malcolm X, com a colaboração de Alex Halex. RJ: Editora Record, 1992.

2 comentários:

Unknown disse...

Interessante reflexão!

Unknown disse...

Se alguém quer saber o valor e importância do testemunho, leia esse texto. Ele pode te ajudar a burilar suas ideias.

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