segunda-feira, 24 de março de 2008

A ÉTICA ESTÓICA

Evandro L. Cunha
Doutorando em Teologia


INTRODUÇÃO:

1. O Estoicismo eclode no palco da história do pensamento ocidental no período ético da Filosofia grega. Ético porque havia um interesse por questões de natureza moral.
2. Alguns historiadores têm classificado o desenvolvimento da Filosofia em quatro períodos[1]:
Ø O Período Naturalista (pré-socrático, em que o interesse é voltado para o mundo da natureza);
Ø O Período Sistemático ou antropológico, o período mais importante da filosofia grega (Sócrates, Platão e Aristóteles), em que o interesse pela natureza é integrado com o interesse pelo espírito e são construídos os maiores sistemas filosóficos, culminando com Aristóteles.
Ø O Período Ético em que o foco são os problemas morais, colocando em segundo plano a Metafísica (epicurismo, estoicismo, cínicos, céticos e ecleticismo).
Ø O Período Religioso assim chamado pela importância dada à religião, para resolver integralmente o problema da vida, que a razão não resolve integralmente (neoplatonismo-Plotino). O Cristianismo surge neste período.
3. Para compreendermos melhor o Estoicismo é mister conhecer o contexto onde o mesmo foi concebido.


O CONTEXTO HISTÓRICO

A ética grega foi concebida simbioticamente com a política, ou melhor, com o viver na pólis. O objetivo da ética era orientar o homem a buscar a arete (virtude) para desfrutar da vida em comunidade. Aristóteles havia afirmado que o homem é um ser político, ou seja, com capacidade para viver harmoniosamente na pólis.
O Mundo Grego que durante séculos formatou sua vida na pólis – Cidades-Estados, com as conquistas de Alexandre o homem grego foi forçado a ampliar seus horizontes políticos e éticos, da centralidade da pólis para ser tornarem cidadãos do mundo. Com o estabelecimento do Império Grego-Macedônico os atenienses experimentaram um crise existencial profunda. Como observou Reale:

“A conseqüência política mais importante produzida pela revolução de Alexandre foi o desmoronamento da importância sociopolítica da Polis”[2].
Com esta mudança de eixo ético-político a sociedade grega é forçada a quebrar os antigos paradigmas e idealizar uma nova mentalidade:

“Encontravam-se assim destruídos aqueles valores fundamentais da vida espiritual da Grécia clássica que constituíam o ponto de referência do agir moral e que Platão, na sua República, e Aristóteles, na sua Política, não só teorizaram, mas também sublimaram e hipostasiaram, fazendo da Pólis não apenas uma forma histórica, mas inclusive a forma ideal do Estado perfeito. Em conseqüência, aos olhos de quem visse a revolução de Alexandre, essas obras perdiam seu significado e vitalidade, aparecendo imprevistamente em dissonância com os tempos e colocando-se numa perspectiva superada”[3].

Sendo agora cidadãos do cosmo e envolvidos no turbilhão das paixões e das forças que vêm forjando a nova história, o homem grego se sente destituídos dos seus antigos valores e com o desafio de superar o novo estilo de vida cosmopolitano.

“Diante desse quadro sócio-político-cultural alargado, a mentalidade grega se modifica. Não se pensa e não se sente mais em termos de cidade, mas em termos de mundo, de cosmos. Daí o falar-se da mentalidade cosmopolita, que toma conta do antigo cidadão, preocupado, outrora, apenas com a vida da sua cidade. O grego é, agora, cidadão de um vasto mundo. Encontra-se em casa, em qualquer cidade para onde viaje. Aliás, o período helenístico é marcado pela predominância e pelo vigor da vida urbana e por uma ampla movimentação entre as cidades”[4].

Esta forma de pensar exigiu dos gregos um novo modo de agir. Mas como agir neste universo tão diversificado e eclético? As preocupações metafísicas são legadas a um segundo plano cedendo lugar a moral. Isto não significa que os pensadores do período helenista não se preocupassem com o todo filosófico. Eles forjaram uma ilustração para que através dela pudessem apresentar o objetivo de suas reflexões:

“A filosofia em seu conjunto é comparada por eles a um pomar, no qual a lógica corresponde ao muro circundante, que delimita o âmbito do pomar e que cumpre ao mesmo tempo o papel de baluarte de defesa; as árvores representam a física, porque são como que a estrutura fundamental, ou seja, aquilo sem o que não existiria o pomar; finalmente, os frutos, que são aquilo a que todo o plantio visa, representam a ética”[5].

Para responder a inquirição: que tipo de fruto e como produzi-lo? Eclodiu várias correntes tentando dá uma resposta convincente e prática.

“Quanto ao Sumo Bem, os estóicos fazem-nos consistir na apatia (ou eliminação das paixões); os epicuristas colocam-no na ataraxia (ausência de preocupações e perturbações) e no prazer. Mas muitos espírito não se sentem satisfeitos com nenhuma destas soluções, e em suas mentes ganha terreno um sentimento de desconfiança em relação a qualquer solução filosófica não só do problema do Sumo Bem, mas também do da verdade: esta é a solução dos céticos. Outros pensadores, ao contrário, julgam que para problemas tão árduos, que nenhuma inteligência humana pode resolver sozinha, seja mais recomendável reunir o que há de bom nos diversos sistemas filosóficos: é a solução dos ecléticos”[6].

Dentre esses sistemas o estoicismo é o mais original e com a mais longa duração.. Abrange os meados do século IV a. C. e perdurou até mesmo depois do século III d.C.. Sua influência transcende esse período e podemos encontrar diversos autores e momentos históricos diferentes se identificarem com o estoicismo. Podemos citar dois pensadores modernos: Miguel de Montaigne (1533-1592) e Blaise Pascal (1623-1662).



AS FASES HISTÓRICAS DO ESTOICISMO

O estoicismo está dividido em três fases: a Estoá Antiga, o Estoicismo Médio e o Romano ou Imperial.

A Estoá Antiga:

Acredita-se que o fundador dessa escola filosófica tenha sido ZENÃO. Nascido em Cítio, na ilha de Chipe, por volta de 333/332 a . C. De raça semítica, Zenão se transferiu para Atenas em 312/311 a. C., atraído pela filosofia. Ali estudou com o cínico Antistenes, freqüentou os ensinamentos do platônico Xenócrates e do megárico Estilpon. Entretanto, foi o cínico Crates que exerceu sobre ele maior influência. Há múltiplas semelhanças entre o cinismo e o estoicismo.
O nome “estóico” se deriva de um vocábulo grego, “stoa”, que significa “pórtico”. Aos 42 anos de idade Zenão fundou a ESTOÁ. A escola recebeu este nome por o seu fundador costumava dar suas aulas na “Stoa Pikile”, ou “Pórtico Pintado”, assim chamado por estar adornado com pinturas feitas pelos melhores mestres.
Zenão escreveu algumas obras das quais só restam fragmentos, das quais Diógenes Laércio (Séc III d.C.), dá-nos os títulos.. Zenão elaborou os traços distintivos do estoicismo.
Cleanto (331-232 a .C.), sucedeu a Zenão. Ele foi um eco fiel da voz do seu mestre. Em seguida, a Escola ficou sob a direção de Crisipo (280-210). É considerado o segundo fundador do estoicismo, pois conseguiu restabelecer a unidade da Escola, bastante comprometida, durante a regência de Cleanto. Crisipo acentuou o aspecto dogmático e polêmico do estoicismo. Sucederam a Crisipo: Zenão de Tarso, Diógenes, o babilônico e Antípater de Tarso. Esses pensadores integram o chamado antigo estoicismo.

O Estoicismo Médio:

Panécio (185-112 a .C.) sucedeu a Antípater de Tarso, na direção da Escola estóica. Com ele começou o chamado estoicismo médio.
Panécio deu ao estoicismo um caráter mais humanista. Não tem preocupação teológica de um Zenão ou de um Crisipo, nem se fecha num dogmatismo radical. Suas preocupações são muito mais humanistas. Interessa-lhe dar-se conta da obre civilizadora do ser humano e das condições de uma vida razoável. É aberto para as outras Escolas, sobretudo para o platonismo e o aristotelismo. Ecletismo e probalismo se introduzem na Escola estóica, quebrando-lhe o rigor dogmático.
Outro estóico célebre, neste século primeiro antes de Cristo, é Passidônio (135-51 a. C.). Natural da Síria, ele viajou muitíssimo. Teve grande interesse científico. Preocupou-se com filosofia, matemática, história e geografia. É chefe da Escola estóica em Rodes, a partir de 104 a .C.. Amicíssimo de romanos, suas conversas foram conservadas por Cícero, Plínio, o antigo, e Plutarco. Em 86 a .C. é embaixador de Roma.


O Estoicismo Romano ou Imperial:

O estoicismo floresceu em Roma, nos séculos primeiros, antes e depois de Cristo. Parece ter respondido, plenamente, ao senso prático e à índole ecumênica romana.
Muito dentro do espírito prático romano, o estoicismo imperial pouca atenção deu aos aspectos lógicos e físicos da Escola. Ateve-se quase que só à sua dimensão ética.
Merecem destaque, neste período, três nomes: Sêneca (4 a .C.-65 d.C.), Epícteto (50-130) d.C.) e Marco Aurélio (121-180 d.C.). Nos três rasteamos as marcas de um acentuado moralismo, sem preocupações maiores para outras questões filosóficas.
Sêneca sobressaiu pela capacidade que possuía de retratar a psicologia das pessoas e descrever a loucura humana.
Epícteto preocupou-se em levar as pessoas à convicção de que é possível atingir a liberdade interior, que se casa perfeitamente com a submissão à ordem racional. Submissão que tem a sua contrapartida religiosa: é entrega à ordem providencial.
Marco Aurélio, imperador romano que se viu obrigado a passar boa parte do seu governo combatendo nas fronteiras, encontra na filosofia uma explicação à precariedade da existência.


PRINCÍPIOS DA ÉTICA ESTÓICA[7]

Para os estóicos, a pessoa, na sua individualidade, é que se ergue como centro ético. O sofista Protágoras já havia afirmado que o “homem é a medida de todas as coisas”. A moralidade tem que ver com a satisfação do instinto da própria conservação.
Viver conforme a natureza era um dos ideais estóicos. O conceito de apropriação (oikeíosis) que significa “auto-apropriação”, “auto-aceitação”, “auto-amor”, é a chave da ética estóica. “O estoicismo era um projeto pedagógico completo. Visava ajudar as pessoas a tornarem-se sábias e, concomitantemente, ajudá-las a assumir um tipo de vida que as levasse à felicidade”[8].
Para atingir essa felicidade é mister desenvolver uma atitude de indiferença e renúncia diante da realidade da vida. A expressão anéchou e apéchou – “agüenta e renuncia”- traduz esse racionalismo radical e rigoroso dos estóicos.
Na fundamentação ética dos estóicos, havia quatro virtudes cardeais: a SABEDORIA, a CORAGEM, a JUSTIÇA, e a TEMPERANÇA. Classificação essa derivada dos ensinos de Platão[9].
Vejamos alguns princípios da ética estóica:

Ø A única liberdade que o homem possui é o poder de reconhecer que tudo acontece necessariamente [determinismo]. Ele deve se conformar com a necessidade cósmica.
Para os estóicos não constitui problema explicação o aparente paradoxo – liberdade e destino.

“Liberdade é, positivamente, compreensão e aceitação do destino, única racionalidade possível, único valor absoluto. A compreensão e a aceitação são as vias que conduzem a pessoa às profundezas do ser. Importa, pois, passar do número daqueles aos quais o destino arrasta, para o número daqueles aos quais o destino conduz. Nesse sentido, se dá uma transcendência. Não a transcendência ao sensível ou ao empírico de que falavam Platão e Aristóteles, mas transcendência à pura mecanicidade ou ao puro determinismo universal”[10].

Ø Apatia. O homem sábio e justo é o homem que não resiste a vontade do Logos, o princípio divino. A apatia é a regra de conduta ideal. A fórmula ética é: apatia/felicidade/virtude. Felicidade = apatia. A virtude principal do homem sábio é submissão à vontade do Logos. “Viver em harmonia com a natureza”.

Ø O problema do mal não existe porque o Logos age bem e racionalmente, determinando tudo que acontece com perfeita justiça.
Segundo os estóicos, o bem moral é exatamente aquilo que incrementa o logos e o mal é aquilo que lhe causa dano. O verdadeiro bem, para o homem, é somente a virtude; o verdadeiro mal é só o vício.

Ø Independência. O homem não pode modificar coisa alguma, mas pode controlar suas emoções e reações. Nisto reside a independência das vicissitudes da vida humana.

Ø A busca pelo prazer é tabu porque com isto nós caímos na armadilha de desejo/frustração/mais desejos/frustrações ad infinitum. O resultado de tudo isto é, intranqüilidade e escravidão em paixões vãs.

Ø O princípio da irmandade universal do homem foi de grande importância no Estoicismo. Na versão romana afetou a jurisprudência e a política.

“Sêneca chamava os escravos de humiles amici (humildes amigos), condenando os jogos de gladiadores e as guerras, porque todo homem é sagrado para outro homem: homo res sacra homini (o homem é coisa sagrada para outro homem) e porque todos somos membros de um mesmo corpo: membra sumus corporis magni (somos membros de um grande corpo)”[11].

Ø A forma romana substituiu a apatia grega com moderação em tudo. A lei romana foi influenciada pelo conceito da irmandade da humanidade. A moderação tornou-se uma virtude cardinal do cristianismo. Paulo incorporou este princípio e outros do Estoicismo ao seu sistema ético.


JUDAÍSMO, CRISTIANISMO E ESTOICISMO:

Judaísmo e Estoicismo:

Entre as doutrinas distintivas do estoicismo estava a do LÓGOS (logoi spermatikoi). Heráclito foi o primeiro a usar o termo em sua metafísica. Os estóicos ampliaram esse conceito e o transformaram num princípio ético

“O Logos não é de natureza espiritual, mas material, porque, segundo os estóicos, o que não tem corpo pode agir. Ora, o Logos é a fonte de toda a atividade. É necessário, por isso, que seja corpóreo. Ele é constituído de uma matéria especial, sutilíssima, agílima, que pode penetrar em qualquer coisa.
“Alguns estóicos identificaram a matéria sutilíssima da qual é formado o Logos com o fogo, outros com o éter.
“O Logos irradia a sua força sobre a matéria à maneira de sementes; desenvolvendo-se, os germes dão origem aos indivíduos. As sementes irradiadas do Logos na matéria são fragmentos do próprio Logos e, por isso, são chamadas de sementes do Logos ou razões seminais (lógoi spermatikoi). No indivíduo, a razão seminal exerce a função atribuída à forma na concepção aristotélica”[12].

Philo de Alexandria (ca 20 aC – 42 A.D), judeu-helênico, usou o termo como uma síntese da tradição judaica e o Platonismo. “Segundo ele, o Logos é um princípio mediador entre Deus e o mundo e pode ser entendido como a Palavra de Deus ou a Sabedoria Divina, a qual está imanente no mundo”[13].
O ensino moral de Philo foi influenciado pela Torah (Pentateuco) por um lado, e pelo Estoicismo por outro. Ele cria que o destino último da humanidade é conhecer a vontade de Deus e obedecê-la. Sustentava que a família, a comunidade e o desenvolvimento pessoal era oportunidades para o exercício do bem por cada homem de espírito justo.
A extensão dos ensinos morais de Philo foram sentidos dois séculos depois em Clemente e Orígenes, ambos cristãos de Alexandria[14].

Cristianismo e Estoicismo:

Alguns tem visto nas atitudes de João Batista e Jesus Cristo a influência estóica[15]. Entretanto, a primeira menção nominal ao estoicismo encontra-se em Atos 17:18 = “Ora, alguns filósofos epicureus e estóicos disputavam com ele...”. O incidente narrado por Lucas, ocorreu aproximadamente no ano 50 AD em Atenas envolvendo o apóstolo Paulo. Sendo da cidade de Tarso, cidade de grandes líderes do estoicismo (Antípater e Zenão de Tarso), Paulo demonstra conhecer a ética estóica.

“A cidade de Tarso, onde o apóstolo Paulo nasceu, era um dos grandes centros do estoicismo romano. Todos quantos lêem os escritos de Paulo e Sêneca (o estóico romano contemporâneo de Paulo) reconhecem a grande similaridade de expressões dos pregadores estóicos romanos, os quais podiam ser ouvidos nas esquinas das praças concorridas e nos mercados de Tarso. O simbolismo de uma corrida com a finalidade de obter uma coroa, além de diversas expressões comuns entre os estóicos, que descrevem poeticamente esta vida terrena em que nos encontramos e as vitórias possíveis que podem ser conquistadas, são outros tantos desses empréstimos. As ilustrações baseadas na luta e no boxe, que Paulo empregou, também são de natureza estóica. (ver I Cor 9:24-27 e Fil 3:13-14).
“Existem algumas epístolas apócrifas de Paulo a Sêneca, como também outras endereçadas por Sêneca a Paulo. E a própria existência dessas epístolas mostra a afinidade de certos pensamentos e expressões paulinos com as idéias desses filósofos, embora nenhum dos eruditos modernos considere essas epístolas autênticas”[16].

O Evangelho de João escrito no primeiro século da nossa era, identifica o Logos como Jesus Cristo (João 1:1-3, 14). Embora alguns creiam que a concepção joanina do Logos foi influenciada pela filosofia estóica, outros associam a Sabedoria Divina do Antigo Testamento. Há ainda aqueles que admitem um estágio intermediário ressaltando a concepção transcendental do quarto evangelho (neste sentido o conceito de Lógos em João seria singular).
Duas idéias estóicas foram mantidas pelo Cristianismo:

Ø “A de que existe uma Providência divina racional, que governa todas as coisas e o homem;
Ø “A de que a perfeição humana depende de abandonar todos os apetites, impulsos e desejos corporais ou carnais, entregando-se à Providência. Essa entrega, porém, não é, como pensavam os estóicos, uma ação deliberada de nossa vontade guiada pela razão, mas exige como condição a fé em Cristo e a graça santificante”[17].

A relação entre o Cristianismo e o Estoicismo pode ser nitidamente identificada nas similitudes de conceitos[18]:

· O estoicismo mantinha um exaltado conceito da dignidade do homem, certamente não totalmente estranho ao ensino cristão da transformação dos remidos segundo a imagem de Cristo, ensino esse que é a mais elevada de todas as doutrinas concernentes ao destino do homem.

· O estoicismo romano encorajou o estabelecimento da lei romana e de códigos legais de toda sorte, que demonstram uma tendência para o bem, até mesmo em nosso mundo moderno.

· A negação dos estóicos quanto á importância absoluta das coisas externas, dos acontecimentos e das influências externas, foi duplicada dentro do pensamento cristão, e sem dúvida ainda a muitos gentios a perceberem o valor do sistema cristão.

· Idéias estóicas exageradas influenciaram o ascetismo entre os cristãos, especialmente aquela atitude que despreza o corpo. Todavia, essas mesmas idéias, quando não levadas ao ponto do extremismo, são um dos temas centrais do cristianismo.










CONCLUSÃO:


ESTOICISMO E HODIERNIDADE:


Estamos vivendo um processo irreversível de globalização. O mundo está se tornando pequeno (“aldeia global”). O mito do eterno retorno parece está as portas.

“A globalização surgiu de forma inesperada e descontrolada. Tem causado desemprego em certos países, desafia o poder tradicional dos governos e passa para as pessoas a sensação de que o mundo se transformou num ambiente selvagem, do dia para a noite. Por mais que os estudiosos apresentem argumentos favoráveis a essa mutação econômica, a imagem que ela tem é a dos saques na Indonésia, dos desempregados na Europa e das empresas fechadas na Argentina. A pergunta bastante razoável que se pode fazer é: para que serve esse processo se ele sacrifica pessoas e subtrai poder de governos que são eleitos pelo povo?”[19]

O homem hodierno assim como o grego experimenta um vazio existencial oriundo das mutações sociais e políticas. As nossas utopias (capitalismo e comunismo) se esvaíram na poeira do tempo. O que nos restou? A consciência da contingência humana. Nós ainda somos o maior obstáculo à construção de um mundo mais harmonioso.
A ética antipragmática dos estóica é retratada por Epícteto:

“Vejo homens que proferem máximas dos estóicos, mas não vejo o estóico. Mostra-me, pois, um estóico, só peço. Um estóico, isto é, um homem que na doença, se sente feliz, que morrendo se sente feliz, que desprezado e caluniado se sente feliz! Se não podes mostrar este estóico perfeito e acabado, ao menos mostra-me um que comece a ser. Não desenganes um velho como eu desse espetáculo que, confesso, ainda não pude desfrutar”[20].

O pessimismo de Epícteto parece encontrar eco nas palavras de Paulo:

“Não há justo, nem sequer um. Não há quem entenda; não há quem busque a Deus. Todos se extraviaram; juntamente se fizeram inúteis. Não há quem faça o bem, não há nem um só. A sua garganta é um sepulcro aberto; com as suas línguas tratam enganosamente; peçonha de áspides está debaixo dos seus lábios; a sua boca está cheia de maldição e amargura. Os seus pés são ligeiros para derramar sangue.
Nos seus caminhos há destruição e miséria; e não conheceram o caminho da paz. Não há temor de Deus diante dos seus olhos” (Romanos 3: 10-18).

Há um aspecto na ética estóica que foi usada pelos dominadores como instrumento de conquista – o conformismo como o status quo atribuindo a esse uma auréola divinatória.

“Até hoje não houve coisa alguma que me trouxesse impedimento ou coação. Por quê? Porque sempre dispus minha vontade segundo a vontade de Deus. Quer Deus que eu tenha febre? Também eu quero” (Epícteto)[21].

Mas nem tudo no estoicismo é utópico. Há algo de concreto, inovador, desafiador e evolucionário. Seu grande trunfo foi atender a inquietação humana no momento histórico de transição. Nós que estamos vivendo a globalização temos muito o que aprender com os estóicos.

“Com o estoicismo firma-se a noção de filosofia como atitude existencial. Saber levar a vida com filosofia é saber levá-la sabiamente, controladamente, sem se deixar arrastar pelos arroubos e pelos excessos. O filósofo não é visto, então, como o grande teórico, abstrato e inacessível. Pelo contrário, é aquele que testemunha um ensinamento altamente positivo, importante e, até certo ponto, fácil. Talvez difícil seja ter a coragem de seguí-lo”[22].



[1] Umberto Padovani & Luís Castagnola, História da Filosofia (São Paulo - SP: Melhoramentos, 1990), 97.
[2] Giovanni Reale & Dario Antiseri, História da Filosofia (São Paulo –SP: Paulus, 1990), 1:227.
[3] Giovanni Reale & Dario Antiseri, 1:228.
[4] Tiago Adão Lara, A Filosofia nas suas Origens Gregas- Caminhos da Razão no Ocidente (Petrópolis-RJ: Vozes, 1992), 168.
[5] Giovanni Reale & Dario Antiseri, 1:254. Os itálicos e os negritos são nossos.
[6] Battista Mondim, Curso de Filosofia (São Paulo –SP: Edições Paulinas, 1982), 1:109. Os itálicos e os negritos são nossos.
[7] Extraído e adaptado de Russell Norman Champlin & João Marques Bentes, Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia (São Paulo – SP: Candeia, 1995), 2:558.
[8] Tiago Adão Lara, 179. Isso é evidente na introdução do livro do estóico Sêneca (4 a.C. a 65 d.C), A Vida Feliz . Afirma que o objetivo de seu tratado é discorrer sobre a metafísica da felicidade: “Galione, irmão meu, todos os homens desejam a felicidade mas nenhum consegue perceber o que faz a vida torna-se feliz

[9] INFOPEDIA – Copyhight © 1995 by SoftKey International – “stoicism.”. Funk and Wagnalls New Encyclopedia – Copyhight © 1995 by Funk and Wagnalls, Corp. All rights reserved.
[10] Tiago Adão Lara, 183.
[11] Battista Mondim, 1:112-113.
[12] Battista Mondim, 1:110.
[13] INFOPEDIA – Copyhight © 1995 by SoftKey International – “stoicism.”. Funk and Wagnalls New Encyclopedia – Copyhight © 1995 by Funk and Wagnalls, Corp. All rights reserved..
[14] Nichol, Francis D., The Seventh-day Adventist Bible Commentary, (Washington, D.C.: Review and Herald Publishing Association) 1978.
[15]Orville J. Nave, The Nave’s Topical Bible (Grand Rapids-MI: Zondervan Publishing House, 1969), 975.
[16] Russell Norman Champlin, O Novo Testamento Interpretado Versículo por Versículo (São Paulo-SP: Candeia, s/d), 3: 364.
[17]Marilena Chaui, Convite à Filosofia (São Paulo –SP: Editora Ática, 1995), 224.
[18] Russell Norman Champlin, O Novo Testamento Interpretado Versículo por Versículo, 3: 365.
[19] Eliana Simonetti, “Em Alta Rotação”, Veja , 27 de maio de 1998 (São Paulo-SP: Editora Abril Cultura), 135.
[20] Tiago Adão Lara, 183.
[21] Battista Mondim, 1:111.
[22] Tiago Adão Lara, 189.

Um comentário:

Ricardo disse...

Parabéns Doutor Evandro!
Hoje conheci seu site e, francamente falando, estou muito agradecido a Deus por poder desfrutar de tão esclarecedor conteúdo. Há muito venho estudando sobre a ética estóica e sua relação com a Bíblia, e seu texto me foi uma fonte de informação riquíssima. Gostaria de saber a posição da Igreja Adventista sobre a filosofia estóica e se há restrições ao uso e divulgação desses conceitos filosóficos entre os adventistas. Agradeço pelo artigo e por sua atenção. Caso haja materiais, além das referências do texto, que o senhor possa compartilhar em português, por favor me indique. Jesus abençoe seu Ministério e sua família!


Ricardo Ferreira

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